Verão à rasca

Verao a rasca andrea ramos foto de pixabay

O verão assusta e não é de agora. Era uma miúda e todos os verões, o mesmo: fagulhas cinzentas que imitavam neve, sirenes, trevas de dia, o ar irrespirável, gente a levar leite aos bombeiros, população a regar a casa. Ninguém dormia, tal era o sobressalto. Os pinheiros perto das casas indiciam o terror a qualquer instante.

Os anos passam e é sempre o mesmo, exceto quando a morte nos bate à porta. O fatídico ano de 2017 lembra-nos que 64 pessoas perderam a vida no incêndio de Pedrogão Grande, algumas carbonizadas dentro dos seus carros, na fuga. Lamentamos a morte de bombeiros, a cada ano. As casas ardidas, as pessoas que perdem o ganho de uma vida inteira. Criticamos a politicas, limpamos os terrenos, culpamos as alterações climáticas e a floresta continua a sofrer, milhares de hectares destruídos.

Sabemos do aumento das equipas de combate a incêndios, de campanhas de prevenção, de estratégias e de mais algum investimento. Ouvimos os especialistas na TV e as suas recomendações. Falamos dos helicópteros parados e do dinheiro que gastámos neles. O clima quente e seco sugere-nos que lidamos contra um Adamastor do fogo. Não bastam práticas agrícolas como prevenção e pese a colaboração internacional, continuamos a ver morrer espécies, ecossistemas, pessoas, animais, ruina de bens materiais e lágrimas de aflição. O melhor seria tê-las guardado em tanques. Se já temos problemas com falta de água, podemos conscientizar que o verão em PT é sinónimo de devastação. De geração em geração, sempre o mesmo.

Deveríamos estar a treinar crianças, criar medidas reais de prevenção, voltar a ter guardas florestais? Como criar barreiras naturais contra incêndios? A disciplina de cidadania, os centros de dia, as empresas, as populações do interior, a juventude, quem pode gerar a mudança? As entidades justificam a complexidade de fatores, a mão criminosa, as queimadas, a negligência.

Não sou especialista. Não suporto ver as áreas ardidas, a paisagem negra quando vou nas autoestradas, saber que anos terá que passar para que haja renovação efetiva. Não suporto ver as pessoas que perderam tudo e a corrupção nas campanhas de ajuda.

Porque não pensamos no bem comum? Porque não é criado um plano territorial? Portugal é um país pequeno, não tem a dimensão do Brasil, não será falta de vontade? Que legado estamos a deixar aos nossos filhos? Que fatura os nossos jovens terão de pagar?

Temos a tecnologia que nos serve. Onde estão os drones de vigilância? Monitorar áreas, ter sistemas de detecção e sensores remotos, sistemas de vigilância e o que mais fazer? Pagar a pessoas que usem a terra, que a cultivem em vez de a deixar para o fogo? Não basta fazer pesquisas sobre o comportamento do fogo, já o conhecemos bem, infelizmente. A vontade de um governo não tem sido suficiente, a generosidade de bombeiros que dão a vida pelos outros não tem falado alto. São poucos face ao problema. Mesmo poucos fazem um trabalho extraordinário. Temos de fazer algo mais.

E assim passamos o verão. Alguns desfrutam da praia, outros deixam a sua casa para ficar seguros num abrigo e quando chegam, veem-se sem nada. Há porém, as boas exceções e quantas mais houvesse.

Criem-se músicas sobre prevenção de incêndios. Plantemos árvores em vez de as queimar. O que seria um verão sem fogo? Este deveria ser um desafio nacional. Os políticos incendiados de vontade em gerar a mudança – efetiva.

Sabe-se que os incendiários vivem perto do local do fogo, têm baixo nível educacional, geralmente são consumidores de álcool e apresentam patologias do foro mental. Quando eu era pequena, escutava os moradores a dizer que queriam atar o incendiário a uma árvore e vê-lo a ser queimado. Será pois imprescindível todo um trabalho de educação social que gere competências. Prevenir os sentimentos de vingança, ajudar pessoas a sair da escuridão da depressão.

A Ministra da Justiça recusa aumentar penas de incendiários «O crime de incêndio é punido com uma pena que pode ir de três a 15 anos de prisão, quando do acto criminoso resultar a morte de alguém.

Somos as cigarras que cantam melodiosamente, aprendemos a dança da desgraça, precisamos de aprender a ser formiga para não virmos a negligenciar nenhum trabalho, pois com certeza evitaríamos perigos e tristezas.

Assinatura-Andrea-Ramos

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução por quaisquer meios, salvo em breves citações com indicação da fonte, sem prévia autorização da Autora.

Partilhe:

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Artigos Relacionados

A vida inteira à espera

Estamos sempre à espera. Passamos a vida inteira a esperar! Esperamos para nascer e para morrer. Esperamos nove meses pelo filho que há-de nascer. Pelas surpresas que são mesmo surpresas, por aquelas de quem esperaríamos

Leia mais »

Frágil, sinto-me frágil

«O medo de perder a casa porque a prestação aumentou. Não poder comprar o que quero porque o orçamento não deixa. Filhos para alimentar. A água e luz para pagar, acertos que abalam.» Leia a

Leia mais »

O brasão da autoestima

Não vimemos na idade média, nem somos guerreiros de atos heroicos. Apesar disso, brasões são ainda usados como tradição, um símbolo familiar. No reino da mente humana existe o brasão da autoestima, um espelho que

Leia mais »
Scroll to Top