Ouço o choro de uma criança saída dos escombros e do entulho cinzento mesclado perdido nas toneladas de cimento.
Ouço ameaças em tons de ódio com desejo sedento de sangue.
Ouço a floresta pulmão do mundo a gritar por socorro.
Ouço o silêncio da terra seca sedenta de chuva.
Ouço o ruido do trânsito apressado como se a vida terminasse naquele dia e há dias em que a vida termina sem que os mesmo dêem conta que a pressa não lhes trouxe a vida.
Ouço o crepitar da lenha submetida à vontade do vento.
Ouço o respirar ofegante dos bombeiros.
Não ouço mais o latido da mãe cadela nem a sua cria sedenta de leite.
Ouço gente de cara lavada erguendo-se da amargura vivida, da dor da perda de tudo, menos da sua vida que ficou para constatar a miséria que o ser humano proporciona a si mesmo.
Ouço gente sínica dizendo que os adultos tudo podem fazer, quando eles não sabem dar o exemplo fazendo tudo o que está ao seu alcance para proteger as populações.
Ouço os passos dos voluntários que quase sem forças nas pernas se dão ao próximo.
Ouço a dor do peito dos que perderam entes queridos.
Ouço a terra a prantear, gritando por compaixão, pela preservação daquilo que foi dado de graça aos homens e que os homens tornam em desgraça pela ambição desmesurada.
Ouço as lágrimas da mãe a cair copiosamente porque o seu filho desapareceu para não mais voltar.
Ouço a voz daqueles que se levantam e que não se resignam ao estado de inércia de um país.
Ouço o velhinho quase sem voz dizendo que o trabalho de uma vida se perdeu em minutos.
Ouço outros velhinhos gemendo por companhia, desejando ver a sua casinha.
Ouço o som dos tiros e do motor de carrinhas que apagam vidas inocentes.
Ouço cidadãos do mundo esperando que os ouçam.
Já não ouço as famílias a sorrir.
Já não ouço as crianças a jogar à bola ou à macaca, ao berlinde ou ao elástico.
Deixei de ouvir o canto dos pássaros, já não têm ninhos.
Foto: internet