Sem querer, por querer. Desejados. Usamos a expressão «Meu filho». Na realidade, os filhos são uma dádiva e não um direito ou objeto de pertença. «Que venha perfeitinho» é o que se deseja a uma grávida. 2022, o ano que registou mais 5% de nascimentos, um gatilho para o nosso país de barbas brancas.
O adulto acolhe a criança, escolhe aceitá-la como é, e a criança também aceita os progenitores. O dom da vida. Os filhos são a encomenda entregue no endereço certo. Adotámos cada filho, com os seus defeitos e virtudes.
Ao visitar uma instituição de acolhimento temporário, percebo os semblantes acanhados, vazios. Adotados temporariamente por mães emprestadas aos pedaços. Temos medo de adotar, que nos calhe o azar como bolas de granizo em vez da sorte como a primavera em flor.
A escolha de amar é para todos os pais e quando isso não acontece? Recordo o caso de Joana Cipriano de 8 anos, em Portimão. Recentemente, Jéssica, 3 anos, a menina correio de droga. Não foram adotadas como filhas? Quantos filhos não se sentem pertença na família biológica? A solidão, o desejo de ser entendido.
Sejam filhos biológicos ou não, são-nos emprestados durante um tempo. Muitos pais agitam as asas, ensinando-os a voar sobre o território que se chama vida. Depois, os filhos voam e os pais choram, o síndrome do ninho vazio.
É difícil colocarmo-nos no papel de quem os deseja ter e não consegue. Por vezes, se um casal demora mais tempo ‘a engravidar’, a pergunta surge: «Então, não há novidades?». Deixemos de massacrar tais as pessoas, já que o processo é penoso. O site Sempre família reflete a dor «A expectativa é tanta que podem surgir níveis altos de estresse e ansiedade, podendo, até mesmo, configurar um transtorno mental.» Equilíbrio na espera e perseverança, palavras chave.
Quantas crianças esperam ser adotadas? (https://www.publico.pt/2023/01/22/sociedade/noticia/ha-226-criancas-espera-familia-adoptiva-2017-300-2035904). Um processo longo, complexo, gradual, decisão irrevogável, em que o filho adotado se integra numa nova família, cessando a relação familiar biológica. (https://www.cgd.pt/Site/Saldo-Positivo/leis-e-impostos/Pages/adotar-crianca.aspx)
Ana Kotowicz aborda a temática no livro «Adotar em Portugal, um Guia para Futuros Pais» trazendo luz sobre legislação, burocracia, avaliação, todos os processos envolvidos e, ao mesmo tempo, histórias de quem passou por eles. A maior procura incide entre os 0 e 3 anos. A lista de espera são 5, 6 anos (Ana Perdigão, jurista no IAC), enquanto isso, vai a criança crescendo. https://eportugal.gov.pt/servicos/adotar-uma-crianca – o local onde todos se podem informar para iniciar o processo de adoção.
Famílias de acolhimento. Uma das condições é não ser candidato à adoção e não ter relação de parentesco com a criança (https://www.seg-social.pt/familia-de-acolhimento-de-criancas-e-jovens). Receber temporariamente, estabilidade, rotinas, definição de projeto de vida, criação de vínculos seguros. Um alerta à sociedade «Portugal precisa urgentemente de famílias de acolhimento» (Reportagem SIC, 17/06/23). Os dados indicam que são apenas 200 famílias que acolhem crianças em risco. «O número mais baixo da Europa».
Acolher, adotar: ser guardião, cuidar de forma protetora, respeitar o passado, escutar a criança. O lamento permanece «Necessita-se a prática estar aliada à investigação no estabelecimento e efetivação de boas práticas.» (https://www.publico.pt/2021/04/28/p3/noticia/familias-acolhimento-portugal-realidade-sonho-utopia-1960260).
Ensine-se o amor incondicional.
Treine-se o verbo amar em todas as conjugações, sem medo de dizer «Eu amo-te».
Memoramos marcas da nossa infância. Sabemos exatamente quem nos deu atenção. Criemos memórias imersas na beleza do íntimo, na certeza do legado.
Deixemos os telemóveis na outra divisão. Que a pressa saiba o seu lugar. Contemos histórias às crianças.
Saibamos a cor do coração dos nossos filhos. Olhemos nos olhos e demos abraços demorados.
Nenhum filho pede para nascer. Brincar, rir e chorar, juntos. Ajudar a sonhar e a entender qual o seu propósito de vida. Desejar um filho na mesma medida do respeito de quem decide não ter. Para Portugal crescer, precisamos dos filhos. Eles serão o nosso Portugal.
4 opiniões sobre “Filhos Amados”
Ótimo texto, refletir sobre nosso papel diante a sociedade, nos faz pensar sobre quais estão sendo nossas escolhas e decisões. Impactar a vida dos miúdos determina os dias que virão!
Muito obrigada, Muriel pelo seu comentário! Amar sempre…
Obrigada Andrea!
Um assunto que nos faz pensar, escrito de forma clara e leve!
Muito obrigada, Miriam. Um enorme abraço!