
Todos lembramos de alguma coisa que emprestámos por compaixão ou sabe-se lá porquê e nem pedimos nada em troca.
O que acontece depois?
O tempo passa e esquecemo-nos, até ao dia em que recordamos que tal pessoa nunca nos devolveu o objeto cedido.
Existiu confiança da nossa parte, sob condição firme da sua restituição. O sentimento que fica é sumo azedo na boca. Vem o arrependimento, mas já não dá para voltar atrás. E quando se trata de livros, qual leão dentro de nós a rugir, furioso.
Houve uma fase, em que eu tentava registar tudo o que emprestava, fosse um tupperware que mandei com comida, fosse um livro, eletrodoméstico, enfim. Vieram os filhos, a azáfama do dia a dia e a boa vontade em emprestar continuou, embora com rédea curta.
Quantas histórias escutámos do pai que empresta o carro ao filho e este o destrói?
E quando se trata de emprestar dinheiro a um amigo que vem de mansinho pedir ajuda, a amizade parece sofrer um abalo. Põe-se a mão na cabeça, espirra-se, esfregam-se os bolsos, vêm as hesitações e todas as desculpas para validar que não se quer ou se pode emprestar. Nesta hora, a palavra não custa a dizer! Precisaríamos de um mágico para tirar as moedas de trás da orelha ou que as notas do Monopoly se tornassem reais.
Basta estarmos atentos às notícias, inimizades que surgem, o usufruto de um bem ou imóvel, usucapião, traições, falsidades, juros que não se pagaram. Os mais novos possivelmente, não conhecem o caso da Dona Branca, os empréstimos que concedia, implementando a juros elevados um esquema arquitetado.

Não paro de pensar na dívida de Portugal.
Alguém nos anda a emprestar dinheiro e vamos pagá-lo caro.
Este país, pequeno, rico em recursos, de história incrível, precisaria de repensar o futuro, fomentando a natalidade, incentivando o investimento português, apoiando os jovens, estimulando o empreendedorismo. Não sou de economia, tenho a mania de pensar nestas coisas.
E nas escolas, quantos pais já emprestaram o seu nome aos filhos, sem que o soubessem? (A imitação da assinatura no teste negativo).
Lembro-me quando eu era uma pré-adolescente, uma amiga emprestou-me o seu walkitoque para uma visita de estudo, quando regressei, ele estava estragado. Lá vem o ditado: «Estraga velho, paga novo».
Não faltam narrativas contadas num almoço de negócios. O facto é que os empregados usam equipamentos pertencentes ao patronato, quantas negligências, mau uso que gera danos, quando deveriam estimar como se fosse seu. Tendo esta consciência, prevenir-se iam inúmeras situações para ambos os lados.
Vem ainda a dúvida linguística de emprestar ou ‘imprestar’. Salva-nos o corretor automático?
E as práticas fraudulentas na concessão de crédito? E os livros que fomos buscar à biblioteca e nos esquecemos de entregar?
A palavra empréstimo vem hoje fazer cócegas nos ouvidos a quem tem a casa para pagar ao banco. Na fila do supermercado comenta-se que a prestação aumentou e as perspectivas são de que continue a dilatar, ou não fosse a guerra uma vizinha, nesta Aldeia Global.
Pergunto-me se a felicidade e a esperança se emprestam. Temos a mania das comparações? «A galinha da vizinha é sempre melhor que a minha» ou relativizamos?
Ao fazer voluntariado, estaremos a emprestar felicidade? No casamento, desejamos fazer o outro feliz? Ficamos com raiva quando aquela pessoa em meio a cenário triste tem mais motivação do que nós que não vivemos tal episódio?
E com muito esforço, lá vamos nós, inundados de vergonha, pedir o que é nosso…