Se não andássemos a correr a vida como se ela não tivesse fim, daríamos mais atenção às nossas ideias?

Das ideias à prática há uma enorme distância. O facto é que, se atentássemos para tal como uma meta a alcançar, definindo a melhor estratégia, lá chegaríamos erguendo o troféu (mesmo sem espetadores).
Há tempos, escrevi um texto acerca das minhas próprias ideias, de uma fase, sentia-me a pipocar, ideias frescas como pipocas a saltar. Costumo dizer que tenho muitas e o difícil é executá-las, porque exigem tempo, esforço, dinheiro, sacrifício.
Uma máquina carece de componentes, ser oleada, ter o botão on/off.
E quem é idiota não desliga! O botão está sempre ligado, embora pareça de quando em vez, que a máquina baixa a produção. Isto porque as ideias não fluem ao sabor do que queremos, fluem nos momentos mais inesperados.
Seja no carro, onde não é possível escrever ou na rua, quando nos esquecemos de trazer o bloco para anotar. Salva-nos o telemóvel. Diz-se que tudo serve para termos ideias.
Concordo! Um livro inspira-nos, uma frase, o que está ao nosso redor, um post de rede social, um anúncio, no entanto, há que criar esse hábito de registo. Já tive sonhos que dariam um bom texto, mas quando acordo, o sonho desvaneceu.
Certa vez, um professor fez um exercício com pais. Deu-lhes uma folha e sem indicação alguma, pediu-lhes para escrever, o que foi extremamente difícil sem haver referências. Eu não teria dificuldade, falaria das paredes brancas da sala, do grupo de pais por observação ou criaria um diálogo entre as mesas e cadeiras.
Então, como gerar ideias?
Cada pessoa tem a sua experiência pessoal.
Os pensamentos parecem necessitar de ser oleados, tal máquina produtora. Pergunto-me: será o óleo a motivação? Um dos momentos mais incríveis da escrita é quando estamos tristes, quando a noite cai e o silêncio se agrava. Um caderno dentro da gaveta e uma caneta tornam-se companheiros durante instantes e o coração deposita amarguras ou sentimentos significativos. Depois desse registo no depósito da máquina, dormimos.

Quem escreve, sabe que há dias que a inspiração não vem.
E depois, noutro dia, os dedos no teclado parecem raivosos, com pressa de quem está a perder o comboio. Parar com todas as tarefas com o objetivo de redigir sem ter nada na cabeça também concebe ideias. Escrevemos sem nos dar conta que está a gerar-se boa ideia. Na azáfama, também nascem algumas.
Uma dica importante, não deixar para amanhã o que hoje podemos escrever, amanhã, novo dia, teremos outras ideias e a anterior, quem sabe, excecional.
Seja a limpar a casa, o carro, a cozinhar, a varrer o terraço, a levar os filhos à escola, a conversar com alguém, a olhar o cenário em volta, a ver as notícias, importa não esquecer e para tal, registe-se. Existe uma expressão de amigos brasileiros que adoro: «Na hora!». (Fazer na hora, resulta para tudo!). Registar o essencial para sabermos, posteriormente qual é a ideia exata. Diria ainda que procrastinar nunca será solução, a máquina sem óleo, seca, corrói e para de vez.

Assim, quanto mais exercitamos, mais as ideias fluem.
Criar o hábito de escrita nem sempre é fácil, mas é possível. O mesmo para a leitura. Achar o momento ideal do dia, o local específico, marcar na agenda. Para mim, resulta de manhã, bem cedo. A cabeça está mais disponível, nasce o dia, escutam-se os passarinhos, não existe a agitação matinal em casa. O sossego permite-me vaguear em terrenos não explorados, escrever sobre um tópico pendente.
A escrita pode ser aquele amigo verdadeiro que não se encontra, o ombro que não se tem para derramar as lágrimas.
A escrita afaga o coração revolto, vivenciamos nela a paz, o reencontro com o nosso eu. Desde a minha adolescência que a descobri e não mais a larguei. Companheira das noites solitárias, tristonhas. Celebro, também, escrevendo.

Partilhar no papel o que sentimos pode prevenir loucuras dos pensamentos desvairados. Um momento não é um dia e nesse ápice ruidoso da vida, importa escrever em vez de cometer um ato que derruba toda a vida. Nalguns instantes, ocorre-nos que ninguém nos entende, que nos sentimos só no mundo e de que nada valemos e por isso, interessa desligar o botão da máquina. E se os adolescentes e jovens que cometem suicídio, escrevessem?
Escrever a nossa realidade, construir a máquina de ideias: nunca pensei que um dia pudesse publicar um livro, simplesmente porque não acreditava. No dia em que acreditei, oleei a máquina, não a deixei parar, ela já produziu três.