A viagem

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Estava decidida a mudar de rumo.

Depois de um abraço demorado ao irmão mais novo, despediu-se da mãe e do pai com dois beijos.

Na paragem, não disse uma única palavra. Entrou no autocarro de cabeça baixa. Os cabelos longos cor de mel não deixavam perceber as lágrimas que caíam pesadamente.

A decisão não tinha sido fácil de tomar. Ana amava demais a sua família para os deixar assim.

Esta viagem era apenas o resultado do grito desesperado que pairava no seu coração.

Já não aguentava mais os jantares de pão e água. E muito menos ver o irmão a ir para a escola de estômago vazio.

Achava-se um fardo para a família. Esgotara todas as tentativas. Soubera da falta de mão-de-obra para as vindimas pelo jornal lá da terra, a Soberania do Povo. Tinha passado dias de angústia à procura de uma solução. Queria sentir-se útil, ajudar a família a erguer-se.

O seu pai Manuel um valente guerreiro, estava agora rendido, de braços em baixo e olhar serôdio. A cerâmica onde trabalhava há cinco meses que não pagava ordenados. Isabel, a mãe, era uma das costureiras da aldeia. A pouca clientela sempre ajudava a trazer uns trocos para casa mas, as tendinites agudizavam o cenário.

“Josezito” era como Ana carinhosamente apelidava o irmão. Já andava no quarto ano! Tinha crescido a olhos vistos! Como suportar as terríveis saudades dele? Os catorze anos de diferença não impediam que se sentisse sua mãe. Os mimos à noite, as histórias inventadas e o beijinho antes do João-pestana sossegar seriam agora mera lembrança.

As rodas do autocarro giravam tal e qual os seus pensamentos que trilhavam o passado e o presente. Seria um novo capítulo da sua vida. Embora receosa, sabia que o desejo de triunfar superava qualquer desassossego.
Chegada às portas do Douro, Ana perguntou ao motorista como poderia deslocar-se à Quinta de são Bernardo. Ele, denotando a inquietação ofereceu-lhe boleia. No trajeto, negou-se a falar de si. Falou da paisagem, do rio, dos vinhedos.

Finalmente chegou à Quinta vintage. De mala na mão, e peito erguido, entrou pelo portão senhorial de Mesão Frio.

O sol de fim de tarde deixara-se enamorar nos socalcos. Ao longe, Ana percebe que alguém chama pelo seu nome.

Foto: Mingche Lee

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