No final do almoço, um grupo de crianças brincava no jardim da sua escola. Tinham desenvolvido um jogo novo entre eles. Estavam muito entusiasmados porque todos participavam e até a Melissa.
Alguém os olhava ao longe sem que estes dessem conta. Tratava-se da D. Esmeralda, uma auxiliar um pouco rabugenta, diziam as crianças. No entanto, a professora nem gostava que a apelidassem desse modo, pois salientava que todos merecem dignidade e que não devemos tecer comentários negativos acerca dos outros, mas pelo contrário ajudá-los a ser cada dia melhores.
Aquela turma aproveitava sempre para jogar mais um pouco, apesar do frio que já se denotava. Nada que o sol ou um bom casaco não pudessem resolver! Dispunham-se em roda e davam as mãos.
Cada dia começavam por uma letra do abecedário, em sequência. Já iam na letra P. Naquela quarta-feira, iniciou o Paulo. Ele, um pouco indeciso, não sabia qual a palavra escolher. Gostava da palavra flor mas lembrou-se que o outono já não condizia. Pensou também na palavra prazer, lembrando o quanto gostava de andar de bicicleta e as sensações boas que a brisa e a paisagem lhe causavam. Depois de ponderar vendo os colegas já impacientes, vociferou:
– Presente! É esta a minha palavra.
A Maria acrescentou: – Laço. Seguidamente o Márcio: – Segredo e a Teresa: -Bonito. E quando chegou a vez da Patrícia (a criança antes do Paulo) disse afincadamente: – Nós! Os semblantes algo curiosos e confusos remeteram-se ao silêncio, pensativos. Iam para a segunda ronda para que pudessem entender as motivações de cada um, quando tocou para a entrada. O Paulo logo gritou: -Amanhã continuamos! E todos anuíram.
No dia seguinte, a chuva não os impediu de jogar. Pediram à auxiliar Esmeralda para ficar num espaço acolhedor onde coubessem todos. Ela um pouco sisuda respondeu:
– Meninos espero que se portem bem, vou deixar-vos junto à sala B. Hoje lembraram-se de mim…quando precisaram, não é?…Mas fiquem lá sossegados, nada de confusões!
Reconhecendo que nem sempre tinham agido bem, numa voz única, gritaram:
– Obrigado D. Esmeralda!
Correram para o local combinado, ajudando a Melissa. Lembraram a Patrícia que não perceberam a sua palavra, como é que esta estaria relacionada com a palavra presente. Mas teriam que seguir as regras do jogo… portanto, seria a vez do Paulo. Ele explicou que devido à aproximação do Natal, um presente era o que o deixava muito feliz. Gostava da surpresa, da espera junto à lareira, da família reunida e de ver os rostos dos outros quando abriam o presente.
Quem quisesse poderia comentar – regras do jogo. A Marta achava que este se referira ao facto do grupo estar ali presente.
O Martim disse que o presente lhe lembrava a figura do Bebé Jesus, um presente para a humanidade.
Os colegas ficaram espantados com a profundidade das suas palavras. Continuavam expectantes quanto ao esclarecimento da Patrícia.
Ela num tom melódico disse:
– Nós somos um presente, quando sorrimos ou damos um abraço ou ajudamos alguém. Não precisamos de embrulho…
E deram uma risada prolongada. O Pedro imaginou-a logo de laço na cabeça. A Maria refletiva comentou:
– Patrícia concordo contigo! Todos os dias temos oportunidades dessas. Por exemplo eu já fui presente para a minha avó quando estava acamada no hospital, lia-lhe uma história, tooodos os dias.
A professora que ainda escutara as risadas chamou-os para a sala. Como a campainha ainda não tinha soado eles não gostaram muito da ideia. Ela explicou que tem ficado muito curiosa com o jogo deles e gostava de saber alguns pormenores. Eles explicaram o funcionamento, pelo que ela ficou muito contente pois assim podiam aprender novo vocabulário, conhecer-se melhor e ser um grupo unido. Acrescentou:
– Tive uma ideia. Hoje vão escrever um texto ou fazer um desenho relativo à vossa palavra. Deixo ao vosso critério. Vou deixar parte da aula para isso.
E assim foi. Empenhados, deram aso à sua criatividade. A docente levou os trabalhos para casa. Estava muito feliz pela turma e pela sua iniciativa. Sabia que eles estavam a crescer não apenas fisicamente mas interiormente, através do diálogo e partilha de ideias. Observou folha por folha. Estava encantada e deveras orgulhosa. Vários desenhos, um poema e alguns textos. Um destacou-se pela diferença no discurso.
«O presente mais esperado
Jesus, bebé, o Rei aguardado há cerca de dois mil anos atrás. Este Rei não precisou de coroa nem de um palácio. Foi um presente esperado mas rejeitado.
Ele é o meu presente.
Morreu um dia pelos pecados da humanidade. Morreu para dar vida aos outros. Ele voltou a estabelecer a ligação com Deus para que todos possam ser livres. Isso não é um presente?
Jesus está vivo no céu, eu acredito, falo com Ele, apenas possível pela fé que eu tenho. Ele ajuda-me no meu dia-a-dia.
Jesus é o meu presente diário.»
Martim
As lágrimas correram no rosto da Professora. No dia seguinte também quis entrar no jogo e convidou a D. Esmeralda.
Dedicado à Prof. Susana Garcês e sua turma no âmbito do Natal. Foto: internet