A minha tia


Olhou para o relógio de pulso, orgulhosa. Uma prenda do marido.
Maria fazia a viagem de comboio para ver a tia, doente há algum tempo. A tia que a ajudou a crescer, que a ensinara a fazer roupa para as bonecas.

Agora, à sua porta, estava hesitante. Sabia do estado de saúde dela mas tinha receio da própria reação. Deu três toques na porta e nada. Bateu com mais força. Escutou a voz ao longe, trémula, despida:


ꟷ Quem é?
ꟷ Tia Amélia, sou eu, a Maria.

Esperou.

Uma vizinha diz-lhe que a carrinha deve estar a chegar.

Percebeu que estava a ser observada.

Sentou-se no degrau da porta, a mão a segurar a cabeça, apoiada nos joelhos.

Voltou a olhar o relógio, passara uma hora.

Levanta-se e olha em volta. Repara num vaso de barro com hortênsias murchas. Remexe e encontra uma chave. Experimenta-a e consegue abrir a porta.

As portadas abertas permitiam ter luz. Na cozinha, vê a mesa onde comera as sopas de café com broa.

Chega ao corrimão. Sobe a escadaria. A casa cheirava a mofo. O silêncio doía-lhe nas profundezas do peito. Os passos, carregados. O cavalo dentro de si ganhava a corrida, tal era o bater do coração. Imaginou a tia a vir em direção a ela, de vassoura na mão, julgando intruso a assaltá-la.

Chega ao quarto, observa o semblante da tia. Enrugada, dormia, serena. Maria chega mais perto, quer escutar a respiração.

Assinatura-Andrea-Ramos

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2 opiniões sobre “A minha tia”

  1. Léa Marcondes

    Conheci a Andrea há pouco tempo e me identifiquei com a sua literatura e a sua paixão pelo trabalho tão importante com as crianças. Seus textos são inspirativos e nos convidam a refletir sobre valores da vida formadores de caráter .
    Parabéns Andrea pelo seu valoroso trabalho.

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