Podia fazer um postal catita. Recortar, colar, decorá-lo com glitter e escrever umas palavras glamorosas.
Usava vários materiais, marcadores, aquarelas, lápis de cera e carvão, óleo. Fazia uma mistura e emoldurava-o. Um lindo postal numa moldura.
Mas… e se criasse uma foto de família para mais tarde recordar? Muito bom, excelente. Ah, e talvez com aquelas camisolas a condizer. Os sorrisos abertos a espelhar a felicidade momentânea.
Emojis. Uma composição deles. Enviava por telemóvel. Só os jovens iriam decifrar?
Não, não é isto que eu quero. Pretendo que seja perceptível para todos os membros da família, senão corria o risco das avós criticarem.
Enviava um áudio. Gravava uma mensagem, podia ser, mas queria que fosse algo diferente… e não falo daqueles conhecidos bombons.
E… se o meu postal de Natal recriasse a cena da manjedoura? Vestíamo-nos de animais, escolhíamos um lugar adequado, uns fardos de palha e voilá – seria disparar a máquina e sairia um postal bem engraçado. Talvez fosse um postal criativo.
Como não sou cantora profissional e mestre no digital, também não posso criar um videoclipe. Humm, pois admiro quem o faça e gosto de os ver, onde as luzes brilham e as vozes parece que chegam ao céu, bem longe.
E se criasse um teatro, vestindo-me de heroína com poderes especiais? Seria engraçado, fazia figurinhas tristes com certeza. O alvo, seria, claro, para mostrar que não há herói mais herói do que Jesus, aquele herói sem capa, sem pompa e circunstância, maltratado, morto pelos opositores.
Até aqui, tudo bem. Mas ele não ficou por aqui. Ele revelou-se mais, até a terra tremeu e se escureceu. O sangue escorreu e o mistério aconteceu. Foram as mulheres, esquecidas, colocadas de lado que deram a melhor notícia: ele ressuscitou, voltou à vida. A morte deu lugar à vida. Sim, esse é o verdadeiro herói. Ele dá voz ao oprimido, sacia o faminto, cura, ama sem ser amado e quem nele acredita pode ter a vida transformada. Vida interior e exterior. Este herói vive no céu e prometeu voltar…
Na minha cabeça surgem novelos de pensamentos, como as velhinhas sentadas à lareira que se vêm às avessas para desenlear o fio embrulhados.
Um belo presente de natal. Sim, e que tal o meu postal de natal ser um presente? Para dar ao amigo oculto? Banal… não, nada contra mas ainda não é isto.
Flores. São lindas, mas em tanta quantidade… é que eu gostava de enviar para a toda a humanidade.
Seriam precisos jardins inteiros. Colocava um cartão. Quem iria distribuir?
A não ser que criasse um desafio como uma missão (impossível). Pois, estou a esquecer-me da barreira da língua. Não há tempo para traduções a esta altura do campeonato.
E se para fazer o meu postal de natal for para a cozinha? Fazer bolachas, chocolates, tartes e bolos? Depois tirava fotos e fazia inveja a alguns mais gulosos.
Existe ainda outra possibilidade. A de fazer um postal em ponto gigante. E se ele fosse para o Guiness? Pois, não tenho tanto tempo assim. A falta de tempo é mesmo um problema atual. Ou melhor, tornamos o tempo um problema. Seremos nós o problema? Ok, pensar nas prioridades….
Enviar postais pelo correio, se enviasse só para os amigos, seria bom, pago o selo e lá vai a minha mensagem para ser entregue o mais breve possível, porque já se faz tarde, para, quem sabe ser logo descartada a seguir. E se enviasse postais sem destinatário (sim, sem morada)? Onde eles iriam parar?
Caso fosse eu mestre em animações e tecnologia, faria um vídeo animado para enviar ao mundo inteiro. Não só para os mais pequenos, para todas as idades. Acho uma excelente ideia. Mas desafiaria alguém à ação? Hum…tenho dúvidas. O alvo seria fazer com que as pessoas se importassem umas com as outras, agissem para o bem.
Depois, podia mandar um postal ao Senhor Presidente. Indecisa nas palavras. Ou enviar para lares de crianças? Escolhia um lindo pai natal ou uma árvore enfeitada, escrevia um pequeno poema e pronto. Não.
Ah, já sei! Embrulhava um tal vírus que anda por aí e mandava-o para onde? Se fosse para o espaço, talvez visse cair na terra, incendiar-se e gerar um fogo planetário. Se cavasse para o enterrar, o que germinava? Filhinhos?
Não, não é este o meu postal. Está fora de questão. Mas aparecia-me prender este vírus. Bem, concentração. O que quero é mesmo fazer um posta de natal com propósito. Que seja relevante. Que seja quase exclusivo. Ou melhor ainda, que se tornasse viral.
Até agora, sem soluções. É que o meu postal podia tornar-se egoísta. Faria um brilharete mas não sou eu que quero ficar na fotografia.
É que penso naquelas viúvas que neste natal já não têm os seus companheiros.
Penso naqueles que estão nos hospitais sem alguém que lhes aperte a mão transferindo calor.
Penso nos que vivem na rua, que até vão ter alguma comida. Não aquela farta das mesas, colorida e bem gostosa à vista. Uma comida oferecida por voluntários. Falta-lhes a comida do coração.
Até eu aqui estou a ser egoísta, falo deles mas não vou lá, será mais confortável ficar no sofá.
Penso no sorriso das crianças que mesmo com tão pouco são felizes ao seu jeito mas mais felizes seriam com postais vivos de interesse e de dádiva.
E os refugiados, para quê enviar um postal de natal? Esse postal seria uma casa, uma roupa quente e tantas outras coisas.
E aquelas pessoas que até estão acompanhadas mas lá no íntimo estão em agonia? As mulheres que são violentadas, os filhos que não dão o real valor ao esforço dos pais, até porque os pais se esfolam para trazer o sustento.
E aqueles que estão enclausurados? Não falo só nos que estão na prisão, edifício. Falo também nos que estão aprisionados no seu país ou nos vícios ou aqueles que escolhem aprisionar-se, tornando o medo o seu guarda costas, o orgulho o seu casaco, a raiva o seu cachecol e o ódio o seu melhor fato. Ah… e calçam os sapatos da solidão.
Pronto, o postal de natal está pronto. Não é esbelto, não vai enfim levar esperança a quem tem falta dela.
A vontade não chega para fazer este postal de natal. O pensamento não será suficiente. A inércia. É isso. Descobri!
Um postal de lágrimas pintado pela minha inércia. O melhor postal é aquele que leva consigo amor, compaixão pelos outros. É esse que quero que seja feito o meu postal, é esse que ambiciono. Esse sim, vai exigir dedicação, algum tipo de sacrifício, desconforto até.
Por agora ficam só as lágrimas no meu postal. Está pronto. É este o meu postal de Natal.
2021. Foto: Karolina Grabowska, Andrea Ramos, Nicole Michalou, Julia Volk e Elina Fairytale