No coração da cidade o vento natalício corre nas veias dos comerciantes e conduz as folhas das árvores ao infinito.
Vento de outono que não leva pessoas para o comércio tradicional. As grandes cadeias deliciam os sacos de natal aos molhos, que se alegram para conhecer as famílias. Recheados, colados às pernas apressadas no meio do shopping.
Os artesãos conversam uns com os outros e os veraneantes passam em modo focado, estilo robôs de rosto sério.
Suspeita-se que as famílias não vão trocar prendas porque o orçamento familiar encolheu. O olhar não se desvia para espreitar a casinha de madeira onde presépios vêm lembrar uma família à procura de lugar para um bebé nascer. Apesar de mais de 2000 anos passados, quantas mães andam com o filho na barriga sem saber se vão ter lugar numa maternidade portuguesa? Esta hora deveria ser a das parteiras. Erguer a voz para que todas as mães tenham abrigo para o seu bebé nascer. Hoje, há que fazer quilómetros. O coração dos papás aos saltos e a incerteza tornar-se certeza de que serão mais uma família com histórias para contar.
A animação de rua é deixada para o fim de semana. Um pai de mão dada à pequena filha pergunta pelo comboio de natal e, lamentavelmente, tem que se dizer «venha noutro dia».
A variedade dos artesãos portuguesas pode ser comprovada nesta época natalícia. São os detalhes que fazem a diferença. O atendimento é carinhoso. As farturas e algodão doce, as malhas feitas à mão, a bijuteria artesanal e os presépios em porcelana fria. A música confunde-se com o barulho do trânsito. Cada artesão decora à sua maneira, até velas acendem, talvez para iluminar os corações alheados.
Já não é Natal como antigamente. As ruas não se enchem de gente. O frio é visível em cada pessoa que passa. Uma banca de livros e as pessoas nem se aproximam. Ler dá trabalho e o telemóvel dita as regras da moda. E se em cada lareira acesa houvesse uma avó a contar histórias? E se os artesãos fossem visitar as famílias e passar tradições aos mais novos? E se nos mercados de Natal houvesse workshops para pais e filhos, ensinar a abraçar sem exigir nada em troca?
O pai natal do fim de semana é magrinho e tem barbas falsas. Ainda assim, as crianças vão para a sua casa, sobem-lhe no colo e esboçam sorrisos para as fotos dos pais babados.
O mercado de Natal não atrai os jovens, a não ser a cabaninha das bifanas. Para motivar as pessoas a comprar no comercio tradicional, porque não acabar com o estacionamento pago?
Pelo país multiplicam-se os mercadinhos. Alguns têm pista de gelo, produtos locais, carrosséis, espetáculos e um determinado tema. Alguns apoiam causas, as instituições esmeram-se com a esperança de ganhar uns trocos. O centro das cidades mais luminosos que nunca, enchem os telemóveis de fotos para postar (para mais tarde recordar caiu em desuso), estuda-se a melhor posição. A internet dá uma ajuda a escolher a qual mercadinho de Natal ir.
As alterações climáticas alertam-nos para reduzir o consumo. E se reciclássemos prendas? A satisfação do ato de dar / presentear é gerada interiormente. «Ao entrarem na casa, viram o menino com Maria, sua mãe, e, prostrando-se, o adoraram. Então abriram os seus tesouros e lhe deram presentes: ouro, incenso e mirra.», este excerto conta que os magos celebraram o nascimento de Jesus, nascido numa manjedoura. Hoje, celebramos o Natal e muitos associam-no ao Pai Natal. Outros, apenas à reunião familiar e outros aos presentes. Colhemos a história, tornamo-la nossa, à nossa maneira.
E o vento trouxe a chuva. O artesão tapa à pressa os seus delicados artigos com um plástico. Os veraneantes abrigam-se nas casinhas de madeira pitorescas. A agulha apressa-se nas mãos da senhora do crochê, que vai aproveitando o tempo.
E se fosse Natal todo o ano? Lembrar que ninguém pede para nascer e que a dignidade é merecida. Quem paga os seus impostos deveria ter direito a nascer na hora desejada, no local que não colocasse em risco ter de nascer no carro ou numa ambulância.
E se os presentes fossem as flores, os amores e o trabalho dos artistas portugueses? Estaríamos a ajudar-nos a nós mesmos. O contacto uns com os outros em longas conversas de mercadinho de Natal gera calor na gélida chuva, a ninguém faz mal.