O prazer (perdido) de ser criança

pexels photo 2742684Mitch Kesler

Ludoteca: brincadeira precisa-se!

Resumo:
Na sociedade actual, a criança necessita de jogar e brincar e de ter tempo livre para tal. É um direito seu. O jogo infantil constitui-se agente fundamental para o desenvolvimento a todos os níveis, no âmbito da educação não-formal. Transformações familiares alteraram a vivencia lúdica das crianças.

As Ludotecas facultam respostas à sociedade onde o brincar é a palavra de ordem e a livre escolha por parte da criança é uma certeza. A Animação Sociocultural na infância prima por educar no ócio utilizando o jogo como recurso educativo e metodologia de intervenção.

Palavras-chave: Criança / Educação / Jogo / Animação

A criança é “todo o ser humano menor de 18 anos, salvo (…) atingir a maioridade mais cedo” (Unicef, 2004);

“revela imaturidade” (Vários, 2008); quando nasce, é um ser frágil, reclama cuidados físicos, psíquicos e atenção.

Anela ser amada, depende temporariamente dos adultos, e é sujeita a regras/normas de conduta eleitas pelas estruturas de socialização. Ana N. alude à família e à escola como constituintes das bases do processo educativo e de socialização (Almeida, 1998).

A “educação é (…) um longo processo através do qual a pessoa adquire múltiplos elementos que formam ou transformam a sua personalidade, com o fim de desenvolver potenciais faculdades e tornar-se autónoma” (Morissette, Gingras, 1990:26). A Unesco contempla “quatro pilares da educação: o saber, o saber-fazer, o saber-estar e o saber-ser” (U. C. GARE, 2009). À medida que a criança experiencia diversas vivências, na escola ou fora dela, estar-se-á perante educação.

A educação escolar é díspar da familiar, dado à sua estrutura e formalismo. No que concerne ao processo educativo, é “informal (através dos pais ou de qualquer outro adulto disposto a dar lições) ou formal (…) efectuado por uma pessoa ou grupo de pessoas socialmente designadas para isso” (Savater, 1997:27).

andrea ramos brincar foto de pixabay

A educação não-formal rege-se por processos/instituições que facultam o aumento de saberes/capacidades e expõe objectivos educativos traçados fora do âmbito escolar.

Com a entrada da mulher no mundo do trabalho, as crianças, segundo Sampaio, normalizaram-se, tal como a fruta. “Dantes, por lá ficava e demorava pelo menos o tempo de duas estações, para crescer e amadurecer bem” (1994). Outrora, a criança corria/saltava/jogava, etc.

Hoje, a realidade é a TV, a Internet ou a sala de aula, em prol das exigências da sociedade do conhecimento! “Muitos pais e educadores consideram a TV como uma distracção sã (…) e, em certos casos, educativa” (Gerin, 1965). Mas, a porção de horas e as condições em que é vista podem ser prejudiciais: pelo isolamento, sedentarismo, passividade ou pela “ausência de oportunidades para utilizar la imaginación” (Greenfleld, 1985:60).

Por imposição, as crianças já “não amadurecem naturalmente” (Sampaio, 1994). Amontoará apenas saberes? A criança “não é um recipiente que devemos encher, mas um fogo que é preciso atear” (Savater, 1997).


A criança deve ter direito ao tempo livre, ao repouso e à participação em actividades de cariz cultural/artístico (Unicef, 2004). Também a L. B. do Sistema Educativo Português denota a ocupação criativa dos tempos livres como um vector elementar da educação extra-escolar. É premente ceder tempo livre à criança para que preencha as suas vasilhas de riso, de experiências e de criatividade – a brincar aprenderá a crescer!

ludoteca brincar andrea ramos anthony

Diversos autores têm-se debruçado acerca do tempo livre, no qual “escolhemos fazer ou não fazer o que queremos, e não aquilo que os outros nos impõem ou sugerem”. (Araújo, 2009). Lazer/ócio indica o conjunto de ocupações em que o indivíduo se diverte/repousa e representa toda a actividade que se gosta de fazer; “Sinonímia de folga” (Villar e Sales, 2003).

O grande tributo da Animação Sociocultural é o de educar no tempo de ócio, desenvolver actividades de cariz lúdico-pedagógico e “implementar uma ideia de revolução relacionada à quebra da monotonia e à construção de uma ideia radical de liberdade de escolha” (Melo, 2007). “Através do estilo educativo da Animação, a pessoa faz desabrochar as suas sementes, mobilizando as energias presentes no seu interior” (Jardim, 2002:29). A Animação Infantil no ócio “promove o prazer do indivíduo enquanto realiza uma actividade” (Trilla, 2004:208).

A criança cumula tensões/imposições que carece superar. É no acto de jogar/brincar que transpõe as frustrações, integra as relações sociais, evolui, conhece a sua individualidade, o meio e os outros – e é reconhecida.


O jogo amplia a participação e aumenta o bem-estar. Possibilita o desenvolvimento físico, emocional, social e intelectual. É “um dos meios mais importantes de aquisição das diferentes situações vitais, de aprendizagem de tipos de comportamento” (cit. Cabral, s/ data).

brincar andrea ramos foto de karolina grabowska


O brinquedo faz as delícias dos mais novos, transporta-os à fantasia, propicia o experimentar diversos papéis e facilita a descoberta do mundo.

Brincar ajuda a estimular os sentidos, a adquirir competências, a apreciar sensações, a ganhar domínio sobre o corpo e estimular a imaginação. “A criança é como uma planta. Uma planta sem sol não dá flores; uma criança que não brinca estiola” (Olivier, 1976:10).

Por outro lado, existem populações sem recursos económicos para a aquisição de jogos/brinquedos. Outra questão prende-se com a sociedade consumista na qual vivemos. A publicidade encarrega-se de apontar ao mundo infantil brinquedos sem qualidade/inadequados. Ao mesmo tempo, assiste-se ao reduzir de espaços nos meios urbanos para a criança brincar.


As Ludotecas infantis favorecem “o desenvolvimento integral da criança através da habilitação para (…) o prazer de ócio” (Trilla, 2004:209) assumem revelo tal que importa atentar ao papel que podem cumprir na sociedade.

Ludoteca designa “instituição onde as crianças podem conviver e brincar, utilizando os brinquedos que lhe são emprestados” (Vários, 2008), e tem “como prioridade desenvolver a personalidade da criança” (Solé, 1980:31). Potenciadora do jogo infantil, da sua valorização pedagógica, lugar de brincadeiras e de literatura para os diversos gostos, reveste-se como solução ao nível de espaços apropriados, seguros, da adequação de brinquedos e de material lúdico.

É por excelência local que transfere à criança liberdade de escolha e espontaneidade, favorece a exploração, a partilha e o convívio; onde esta pode encontrar pares, aceder aos brinquedos, independentemente da sua classe económica.

ludoteca andrea ramos foto de ylanite koppens

Em tempos modernos, Ludotecas precisam-se!

O Animador Sociocultural pode accionar intervenções pedagógicas no âmbito do lazer/cultura, pois a criança “é território virgem, no qual podemos lançar sementes que, uma vez criadas raízes, se desenvolverão por si próprias” (Mónica, s/ data:17).

Assim, as Ludotecas como complemento da educação formal, pela função educativa do jogo/brinquedo e no âmbito da ocupação dos tempos livres, são um meio de reduzir as desigualdades sociais e facilitar a aprendizagem, porque: o lúdico “da sabor y gusto a la vida” (Ander-Egg, 2007:370).

Por fim, tempo de brincar/jogar, momentos prazerosos vividos intensamente pela criança, onde estão? A desvanecer? Vale a pena reflectir…

Referências bibliográficas
ALMEIDA, A. N. (1998). Dossier Intervenção social 17/18, Novos modelos de ser e de estar na sociedade de hoje: Os contextos da Infância
AMADO, J. (2002). Universo dos Brinquedos Populares. Coimbra. Quarteto Editora
ANDER-EGG, E. (2007). Metodología y práctica de la animación sociocultural. Editorial CCS. Madrid
ARAÚJO, M. J. (2009). Crianças Ocupadas. Prime Books
CABRAL, A. (1998). Jogos Populares Portugueses de Jovens e Adultos. Lisboa. Editorial Notícias
CABRAL, A. (s/ data). Jogos populares portugueses. Porto. Editorial Domingos Barreira
GERIN, E. (1965). Os Jovens e a Televisão. Lisboa. Editorial Aster
GREENFIELD, P. M. (1985). El niño y los médios de comunicación. Madrid. Ediciones Morata, S.A.
JARDIM, J. (2002). O Método da Animação. Manual para o Formador. Porto. AVE
MELO, V. A. A Animação Cultural e os Estudos Culturais: Diálogos. Revista “Práticas de Animação” Ano 1 – Número 0, Outubro de 2007
MÓNICA, M. F. Educação e Sociedade no Portugal de Salazar. Presença Editores
MORISSETTE, D., GINGRAS, M. (1990). Como Ensinar Atitudes Planificar, Intervir, Avaliar. Porto. Edições Asa
OLIVIER, C. (1976). A criança e os tempos livres. Lisboa. Publicações Europa-América
PAPALIA, D., OLDS, S. & FELDMAN, R. (2001) A child’s world: infancy through adolescence. McGraw-Hill (obra original publicada em 1975)
SAMPAIO, D. (1994). Inventem-se novos pais. Lisboa. Caminho
SARAIVA, M. M. C. (s/ data). Ludotecas – Alternativas Educativas. Museu do Brinquedo de Seia
SAVATER, F. (1997). O Valor de Educar. Lisboa. Editorial Presença
SERRA, M. C. (2001). O Jogo e o Trabalho. Lisboa. Edições Colibri/Inatel
SOLÉ, M. D. B. (1980). O Jogo Infantil: Organização das Ludotecas. Lisboa. Instituto de Apoio à Criança
SOUSA, A. B. (2003). Educação Pela Arte E Artes Na Educação. Vol. III. Lisboa: Instituto Piaget
TEIXEIRA, M. B. BARROCO, C. (1987). O Brinquedo Português. Bertrand Editora, Lda. Colecção Património Português.
TISSERON, S. (2007). Manual para pais cujos filhos vêem demasiada televisão. Lisboa. Edições 70, Lda.
TRILLA, J. (2004). Animação Sociocultural. Teorias Programas e Âmbitos. Horizontes Lisboa. Pedagógicos. Instituto Piaget.
U. C. GARE (2009). Power Point Educação e Sistema Educativo. Diapositivo nº6
VÁRIOS (2008). Dicionário da Língua Portuguesa. Porto. Porto Editora
VILLAR e SALES. (2003). Houaiss-Temas e debates. Tomo II. Lisboa
Internet:
http://www.unicef.pt/…/convencao_direitos_crianca2004.pdf
(Unicef, Convenção sobre os Direitos da Criança, 2004; acedido dia 9 de Novembro de 2009, pelas 12:55 H)

Foto: Mitch Kesler

Publicado Revista Práticas de Animação Ano 4, nº 3 «O prazer (perdido) de ser criança»
http://revistapraticasdeanimacao.webnode.pt/sumario/

Assinatura-Andrea-Ramos

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