Foi naquele dia que ambicionei escrever, escrever sem terminar, porque a noite estava a chegar e se transformava na minha doce companheira.
Encontrava-me só, procuraria algo que correspondesse ao meu estado de espírito, enternecido pela suprema gratidão daquela mera existência.
Deparei comigo a esquadrinhar pedaços de papel onde o registo permanecesse etéreo, suave, majestoso. Por fim, encontrei o que serviria para satisfazer a exacerbada paixão que nutria pela escrita.
Analisava cada palavra, exacta, perfeita, a fim de preencher o vazio da folha; almejava que a madrugada se me acercasse e me visse perder uma lágrima de júbilo, de satisfação, pela realização do devaneio de minha alma.
Oh, como carecia depor naquele simples fragmento a imensidão do meu ser!
Que agradável sensação seria desvanecer o ónus da vida…acarretava para meus dedos tal imperativo. Tornava-se fácil prescindir de tudo o resto…bastaria apenas a inspiração harmoniosa que tanto anelava.
Candura e delicadeza estavam presentes nas letras daquele sublime serão, elas me concediam conforto e me aprazia que assim fosse!
“Oh não” … não sabia por onde iniciar, meu espírito, repleto de caracteres, emergia, vertido em sensações detentoras de imaginação. “Belas são as Letras, Belas são as palavras”, suspirava eu de prazer; ia de encontro a elas, moravam no meu íntimo, assentavam no meu colo… embalava-as então, com meiguice, mirava-as perfeitas, doces, reluzentes!
Ali estava eu, a noite, silenciosa, perpassava com sua névoa, onde o calor das letras, contrastando, inundava meu ânimo. Carimbava cada formato, exigia que o texto se movesse em torno de requinte para que a minha vida se vertesse em comoção, repleta de impressões confortantes, plena de regozijo.
Tudo à minha volta se encontrava imóvel, apenas as palavras redundavam minhas mãos, circundando a minha consciência, e eu, envolta em ínfima doçura, aspirava o primor e, ninguém me poderia contrariar!
Meditativa, evocava a alegria de vivências transactas, pelo que meu coração rejubilava de contentamento.
O meu espírito manifestava intenso prazer na partilha e na dádiva em que as letras me permitiam moldar tais sentimentos.
A saudade começava a emergir e as palavras eminentemente faziam-se sobressair enérgicas, equivalentes a uma força poderosa que não poderei olvidar.
O meu rosto, esse, deixava transparecer a memória de um findo dia, exausto de amor e paixão.
De qualquer forma, perseverava a redigir o texto a fim de esvair a autêntica beldade, cristalina, das letras, proeminentes do meu pensamento.
Os meus cabelos, deslizantes por entre os dedos que rabiscavam sem parar, brilhavam, vendo-me naquele estado aprazido.
As horas, esgotadas, clamavam para que eu não cessasse, foi então, que me deparei com ideologias verdadeiramente vespertinas.
O som da chuva que se abatia no telhado sobressaía de modo ensurdecedor, a casa inerte, despertava para o raiar de um novo dia ausente do astro rei.
As palavras, destemidas, animavam minha natureza, fazendo-me observar a vida de um modo diferente, pelo que, com espírito leve, raciocinava com clareza e perfeição. – Sem elas não sei o que seria de mim, certamente que vegetaria, apartada daquela intimidade tão perfeita –
A suprema felicidade residia naquela relação de aconchego entre mim e as letras. Elas elevavam-me até às nuvens onde me poderia deleitar confortavelmente, onde apreendia caracteres cintilantes que acarretavam sobre mim uma brisa inigualável.
Extasiada, engendrava mil e uma palavras que me faziam sonhar repetidamente… letras, letras e mais letras compunham na minha pessoa incomparável sensibilidade.
Somente daquela maneira poderia arrebatar o que de mais belo há para registar numa simples folha de papel – as “Belas Letras”.
Hoje sei que jamais trocaria as queridas e amorosas letras, pois traduzem excelência infinita na minha vida. Elas refulgem serenidade, irradiam meiguice no meu carácter. Equivalem a um manancial do deserto. Testemunham ardente chama que se abate no fogo da minha presença. Em minha índole originam vigor, sem as demais não poderia subsistir. A sua essência é pura e arrebatadora.
As “Belas Letras” assediam minha singela figura. Sensuais, incumbem-me de trespassar uma importante mensagem, de que escrever é um acto salutar para a alma de qualquer vivente.
Desde aquele dia que persisto, prossigo, demando, aspiro e procuro percorrer o longo caminho desta estrada, onde a meta não perece, não desmaia, não se acaba, mas… se renova a cada instante.
Decidida, avanço e prossigo, sabendo que o limite tarda em se aproximar. “Oh não, o fim está a chegar…”
Reflicto em cada detalhe e minha alma, já saudosa, labuta pela ilusão de um dia poder continuar…
Quimera apaziguada, alma preenchida, terminava assim minha doce escrita, convicta de que mais uma vez esgotava o ensejo do meu coração.
Foto: Lum3n